As novas tecnologias
digitais de informação e comunicação, e suas tecnologias associadas, nos
tornaram mais preguiçosos, sem a menor dúvida. Veja, por exemplo, o controle
remoto. Quem, em sã consciência, o dispensa para levantar da poltrona e ir até
a televisão, apertar botões para mudar de canal?
E o que dizer do telefone celular atual, que
evoluiu a tal ponto que pode ser usado até mesmo como controle remoto da
televisão, ou ainda, incorporar em si mesmo a própria televisão?!
E nem adianta criticar esse “mundo novo”
porque na maioria das vezes a crítica acaba sendo hipócrita, como a crítica do
professor que condena seus alunos por levarem o telefone celular na escola, mas
que não tira o próprio celular da bolsa porque sabe o quanto ele é útil e divertido.
Que critica o aluno que não faz tarefas de casa e ao invés disso fica horas na
internet mas, ele mesmo, não prepara aulas e todo dia fica horas no Orkut,
cuidando de sua “colheita feliz” ou atirando passarinhos contra obstáculos.
A tecnologia digital é cômoda e divertida.
Por isso nos atrai tanto. Por isso nos distrai tanto!
A tecnologia não pode ser encarada como uma
espécie de “aberração” em nossas vidas. Ela é uma consequência natural da
inteligência e da criatividade humana. Abrir mão da tecnologia não deixa de
ser, guardadas as devidas proporções aos mais puristas, abrir mão de nossa
própria humanidade. Usá-la bem ou mal também depende muito mais da nossa
“humanidade” do que da tecnologia por si mesma.
Diante desse cenário há quem queira parecer
desolado, abatido diante das inexoráveis evidências de que o mundo mudou mesmo;
mas, também há os hipócritas reacionários, os primitivistas e os deslumbrados.
Felizmente, a meu ver, cresce cada vez mais a turma dos positivistas
pragmáticos, a qual grosso modo me alinho, que vê na tecnologia possibilidades
de um futuro melhor se aprendermos a usá-la de uma forma positiva.
E o que esse blá-blá-blá tem a ver com o
contexto da Educação, da escola e dos nossos capengas paradigmas didáticos?
Talvez tivesse pouca relação, se a escola fosse uma entidade sobrenatural
existente em algum outro universo ou dimensão, porém, não é esse o caso. A
escola onde aprendemos e ensinamos (ou não fazemos nem um nem outro) está toda
ela embebida nessa tecnologia e, principalmente, nessa preguiçosa práxis
tecnológica, exceto nos momentos de hipocrisia ou ingenuidade.
Alunos e professores todos os dias levam
telefones celulares para a sala de aula. Os filmes, as músicas, os jogos, as
relações interpessoais mediadas pelos protocolos da rede (física, lógica e
social), estão presentes nas salas de aula, nos banheiros, nos corredores, nos
pátios… Só não estão muito presentes, ainda, na didática dos professores, nos
materiais didáticos e nas aulas de prática de ensino das universidades que formam
professores.
E porque será que é tão difícil incorporar
na prática pedagógica essas ferramentas que já estão incorporadas no dia a dia
de alunos e professores?
Talvez a resposta seja mais objetiva do que
culpar os bodes expiatórios de sempre: professores despreparados e
desmotivados, alunos desinteressados e sem expectativas, governos incompetentes
e mal intencionados, etc. A resposta pode estar bem diante dos nossos olhos.
Talvez seja a mesma resposta que demos para justificar o desenvolvimento da própria
tecnologia: inteligência e criatividade.
Incorporar as TICs nas práticas pedagógicas
requer mais que oficinas de capacitação para uso de ferramentas (softwares e
equipamentos) ou lavagem pedagogico-cerebral, tentando algum tipo de
“convencimento” do professor. Talvez essa incorporação requeira um novo modo de
olhar o mundo, novas competências criativas e, infelizmente, talvez isso não
esteja ao alcance de alguns professores, mas eu não gostaria de ter que tomar
isso como premissa. Acho que ninguém gostaria de supor que exista uma “geração
perdida” e que, talvez, essa geração seja a nossa.
Vamos exemplificar esse discurso
“esquisito”: um dia, talvez inspirado pelas “calçadas rolantes” do Jetsons,
alguém inventou a “escada rolante”. Ela é muito útil para mover um número
grande de pessoas simultaneamente, para cima ou para baixo, e substitui com
grande vantagem os elevadores. As encontramos em metrôs, shopping centers,
grandes lojas, etc.
A escada rolante é um excelente exemplo de
uma tecnologia que nos torna preguiçosos, pois embora as escadas sejam mais
saudáveis (para a maioria das pessoas) é muito mais cômodo usar as escadas
rolantes e basta observar o movimento em um metrô ou num shopping center para
confirmar que a grande maioria das pessoas opta pelas escadas rolantes quando
têm a opção de escolher entre elas e as escadas comuns.
Um professor “tradicional”, desmotivado, mau
pago e desacreditado, diria que o problema é que as pessoas hoje em dia tem uma
péssima educação, não têm motivação para serem saudáveis e tendem sempre à
vadiagem. Ele não perderia seu tempo tentando convencer ninguém a usar as
escadas comuns ao invés das escadas rolantes, a menos que pudesse de alguma
forma “obrigá-las” a isso. Já um professor deslumbrado com a tecnologia diria que
as escadas rolantes são mesmo a melhor opção, pois poupam tempo, evitam
desgastes nas juntas dos joelhos e ainda permitem que durante o percurso se
possa acessar o twitter ou o facebook. Ele jamais obrigaria alguém a “voltar no
tempo”.
Assim, nenhum desses dois professores
aceitaria a tarefa de fazer com que as pessoas escolhessem, espontaneamente, a
escada convencional. Para ambos isso seria uma bobagem. Se recebessem essa
tarefa, fracassariam (e encontrariam culpados facilmente).
O professor que precisamos é aquele que não
recusaria essa tarefa e que seria capaz de mobilizar seus conhecimentos, sua
inteligência e criatividade para executá-la, ainda que ela não seja trivial.
Esse professor é o mesmo que consegue ensinar seus alunos a somarem e subtraírem,
com ou sem calculadoras e, acima de tudo, que consegue que seus alunos aprendam
sem serem chicoteados.
Causar essa “mudança de hábito”
espontaneamente é possível e, se você já está impaciente para saber como, veja
o vídeo abaixo e depois continue a leitura do texto.
Ok, isso não acontecerá em todas as escadas
do mundo, não é simples e nem barato para se fazer e, ao fim e ao cabo, se a
escada rolante for retirada as pessoas também subirão pelas escadas normais a
um custo bem inferior. Mas não é isso que está em questão aqui. O que está no
foco desse artigo é a “escada conceito” baseada naquilo que os criadores dessa
campanha publicitária chamaram de “The fun theory” (Teoria da diversão) e que
baseia-se numa premissa aparentemente sólida: é possível mudar o comportamento
das pessoas tornando as coisas mais divertidas.
Ninguém teve que ouvir palestras chatas
sobre porque subir escadas pode promover uma saúde melhor, ninguém foi obrigado
a subir pelas escadas convencionais porque lhe proibiram subir pela outra. Todos
podiam optar pela escada rolante, se quisessem, e só não quiseram subir por
elas aqueles que acharam “mais divertido subir pela escada piano”.
Não é fácil ter uma idéia criativa como
essa, mas se você consegue tê-la pode usar a própria tecnologia a seu favor
para torná-la possível. Também não é fácil para o professor ensinar o aluno a
somar e subtrair (se fosse fácil, para que precisaríamos de professores?), mas
é possível que alguns professores tenham idéias brilhantes sobre como fazê-lo.
Pode ser mais divertido jogar um videogame
com adições e subtrações no telefone celular do que copiar continhas da lousa e
fazer no caderno centenas de operações de somar e subtrair aparentemente sem
nenhuma razão; talvez as somas e subtrações possam ser contextualizadas, mesmo
sem muita tecnologia digital; talvez possam estar inseridas em
situações-problema do cotidiano do aluno…
Só o professor que não desiste sem
antes tentar é que poderá ter a oportunidade de descobrir qual é o melhor
caminho para isso fazendo uso de toda tecnologia que dispuser. E fazer bom uso
das TICs para ensinar mais e melhor é exatamente o que podemos chamar de um
“bom uso pedagógico das TICs”.
O uso pedagógico das TICs pode ser um
caminho promissor para tornar o aprendizado escolar algo menos enfadonho e,
talvez assim, consiga resgatar em alguns momentos a “diversão de aprender”.
Pode não ser fácil encontrar soluções inteligentes e criativas o tempo todo,
mas, podemos compartilhar as boas idéias de maneira a construirmos um
conhecimento em rede. É a isso que chamamos de Sociedade do Conhecimento (não
uma sociedade que conhece tudo, mas uma sociedade que constrói e compartilha
conhecimento de forma eficaz por meio de redes sociais interativas).
Ao professor também cabe construir
tecnologia e compartilha-la. Não estamos falando de aparelhinhos tecnológicos,
mas sim de tecnologias de ensino que possam tornar o aprendizado mais
divertido, interessante, criativo e inteligente. Afinal, há uma boa chance de
que um novo ensino, inteligente e criativo, ajude a desenvolver essa nova
geração, preguiçosa como a nossa, mas também muito inteligente e criativa, para
que a seu tempo ela possa assumir a condução dessa sociedade estranhamente
tecnológica onde vivemos hoje.
(*) Para citar esse
artigo (ABNT, NBR 6023):
ANTONIO, José Carlos.
Educação, TICs e diversão, Professor
Digital, SBO, 08 janeiro 2012. Disponível em:
<http://professordigital.wordpress.com/2012/01/08/educacao-tics-e-diversao/>.
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